Sócio Retirante – Responsabilidade, Reforma Trabalhista, Ordem Preferencial, Fraude
1. Introdução
O objetivo desta matéria é analisar a figura do sócio retirante e os seus reflexos nas relações trabalhistas.
2. Responsabilidade
O conceito de responsabilidade solidária e subsidiária decorre do código civil (lei n° 10.406/2002). A diferença entre as duas espécies de responsabilidade é a forma de determinação dos responsáveis.
2.1. Responsabilidade solidária
A responsabilidade solidária ocorre quando o credor, aquele que detém o direito, pode exigir o cumprimento da obrigação de apenas um ou de todos os devedores ao mesmo tempo.
Pressupõe-se nesse tipo de responsabilidade uma pluralidade de devedores, na qual o credor pode cobrar a dívida de todos ou de apenas algum dos devedores.
O direito não precisa ser cobrado em partes iguais para cada um. Todos os devedores são responsáveis por toda a obrigação, de modo que, se o credor quiser cobrar de apenas um devedor, isso será possível. Caso isso ocorra, o devedor que pagar o total deve receber dos demais a parte que pagou por eles, hipótese a que se dá o nome de “direito de regresso”.
Assim sendo, nesse tipo de responsabilidade, o cumprimento da obrigação é compartilhado entre todos os possíveis devedores.
Nesse sentido, o artigo 264 da lei n° 10.406/2002 dispõe o seguinte:
Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
Ademais, em conformidade com o artigo 265 da lei n° 10.406/2002, esse tipo de responsabilidade não pode ser presumido. As suas hipóteses devem ser decorrentes de lei ou da vontade das partes.
2.2. Responsabilidade subsidiária
Diferentemente da responsabilidade solidária, na responsabilidade subsidiária, a obrigação de quitação da dívida não é compartilhada entre os devedores, e o responsável subsidiário somente é atingido diante da inadimplência do devedor principal.
Em outras palavras, apenas quando não houver o cumprimento da obrigação pelo devedor principal é que o responsável subsidiário responderá pelo pagamento e demais ônus.
Observa-se, nesse tipo de responsabilidade, uma sucessão de responsáveis legais pelo cumprimento das obrigações contratuais, sendo que o devedor primário é o responsável principal e, na sua ausência ou na insuficiência de patrimônio, executam-se os bens dos devedores secundários.
Há, portanto, uma ordem a ser observada para cobrar a dívida. O devedor subsidiário só pode ser acionado se o devedor principal não tiver quitado totalmente a dívida. Nesse sentido, o tst se posicionou por meio da súmula 331, incisos iv e vi:
Sum – 331 contrato de prestação de serviços. Legalidade. (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI)
[…]
IV – o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (RES. N° 127/2011, DE 24.05.2011 – DJE TST 30.05.2011 – REP. DJE TST 31.05.2011)
[…]
VI – a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. (RES. N° 127/2011, DE 24.05.2011 – DJE TST 30.05.2011 – REP. DJE TST 31.05.2011)
Observa-se que a responsabilidade subsidiária será aplicada quando o devedor principal não cumprir a obrigação, ensejando o cumprimento pelos demais devedores da relação contratual.
Para saber mais sobre a responsabilidade subsidiária trabalhista e previdenciária, recomenda-se a leitura da matéria:
Responsabilidade subsidiária trabalhista e previdenciária
Diferenças, conceitos, verbas incidentes, responsabilidade das empresas – vide boletim n° 08/2023
3. Sócio retirante
Este tópico se destina a abordar a figura do sócio retirante, discorrendo sobre o seu conceito, a sua posição diante da reforma trabalhista, o prazo para responsabilização e demais temas relacionados a ele.
3.1. Conceito
O conceito de sócio retirante não está presente na CLT, sendo encontrado na lei n° 10.406/2002. No entanto, tem-se que as normas de direito comum têm aplicação subsidiária à CLT, em conformidade com o artigo 8°, § 1° da própria CLT.
Nos termos do artigo 1.029 da lei n° 10.406/2002, qualquer sócio pode se retirar da sociedade. Quando o sócio se retira de uma sociedade empresarial passa a ser chamado de “sócio retirante”. Isso pode ocorrer por sua retirada voluntária, por morte (artigo 1.077 da lei n° 10.406/2002) ou mesmo por exclusão consoante à determinação dos artigos 1.004 e 1.005 da lei n° 10.406/2002.
A concretização da saída do sócio de uma sociedade se dá com a alteração do contrato social da empresa. Sendo assim, considera-se sócio retirante aquele que teve o seu desligamento averbado no contrato social da empresa.
Diante disso, tem-se que a responsabilidade do ex-sócio em honrar os pagamentos das dívidas contraídas pela sociedade permanece mesmo com a saída da sociedade, mas os prazos da sua responsabilidade serão vistos mais abaixo. No entanto, deve ser observada uma ordem preferencial.
3.2. Reforma trabalhista
Até a reforma trabalhista (lei n° 13.467/2017), a questão da responsabilidade do sócio retirante nas relações trabalhistas não era regulamentada, seguindo-se somente o disposto na lei n° 10.406/2002.
No entanto, após a lei n° 13.467/2017, foi incluído o artigo 10-a na CLT, que passou a regulamentar a responsabilidade dos sócios no âmbito trabalhista:
Art. 10-a. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I – a empresa devedora;
II – os sócios atuais; e
III – os sócios retirantes.
Esse artigo determina a ordem preferencial de cobrança, em que o patrimônio do sócio retirante somente responderá pelos débitos trabalhistas, caso a empresa e os sócios atuais não tenham bens nem saldo para tanto. Dessa maneira, o autor de uma ação trabalhista só pode indicar bens do sócio retirante, depois de ter demonstrado que não existem bens da empresa ou dos sócios atuais.
Nesse sentido, a responsabilidade do sócio retirante passou a ser regulamentada também pela legislação trabalhista, o que traz maior segurança jurídica para a garantia dos débitos trabalhistas aos empregados e ex-empregados.
3.3. Prazo para responsabilização
É possível perceber pela redação do artigo 10-a da CLT que o prazo para que o sócio retirante seja responsabilizado é de até dois anos após a modificação do contrato.
Tal previsão, contudo, já existia no artigo 1.032 da lei n° 10.406/2002, o qual determina que a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime nem os seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos depois de averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas obrigações sociais posteriores, e, em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.
Por meio desse dispositivo legal, parte da jurisprudência trabalhista já considerava o prazo de responsabilidade do sócio retirante de até dois anos depois de averbada a sua saída da sociedade.
3.4. Limites na responsabilidade do sócio retirante
O sócio retirante não deve responder por toda e qualquer dívida trabalhista da empresa, mas somente por aquelas decorrentes do período em que figurava na qualidade de sócio e em que as ações foram distribuídas no prazo máximo de dois anos da averbação da alteração do contrato social.
Observa-se que o marco temporal para o encerramento do prazo é a distribuição da ação e não a sua execução, de modo que, se o credor exigir o seu direito apenas ao final do prazo de dois anos, ainda poderá se valer da responsabilidade subsidiária do sócio retirante, caso seja necessário.
Ademais, o sócio retirante não pode ser responsabilizado por dívidas posteriores ao prazo previsto no artigo, pois as dívidas decorrentes de períodos posteriores são dos sócios atuais da sociedade empresarial.
3.5. Ordem preferencial
Da análise do artigo 10-a da CLT, nota-se a existência de uma ordem preferencial para a exigência dos direitos oriundos dos contratos de trabalho.
Desse modo, na fase executória, inicialmente o juiz deve executar o patrimônio da empresa empregadora e, caso não seja mais possível, penhorar bens ou valores dos atuais sócios da empresa. Somente com o insucesso nas duas opções anteriores é que a execução poderá ocorrer em face do sócio retirante.
3.6. Fraude – responsabilidade solidária
O artigo 10-a, parágrafo único da CLT prevê uma exceção quanto ao tipo de solidariedade. Conforme dispõe o dispositivo, caso seja comprovada a fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato, a responsabilidade do sócio retirante será solidária com os demais sócios e não mais subsidiária.
Isso implica dizer que o sócio retirante será responsável pelos direitos decorrentes do contrato de trabalho de forma igualitária com os demais sócios, não sendo aplicada, nesse caso, a ordem preferencial descrita no artigo 10-a, incisos I a III da CLT.