Dissolução Total ou Parcial da Sociedade por Justa Causa

O exercício de atividades econômicas, sejam comerciais ou de prestação de serviços, sempre foi praticado por pessoas físicas, acompanhadas de outras pessoas ou não. Contudo, com o tempo, a junção de mais de uma pessoa natural para o exercício de uma atividade econômica adquiriu complexidade e envergadura exigindo a criação de novas pessoas fictícias que fossem capazes de exercer aquelas atividades econômicas por si próprias, criaram-se assim, as pessoas jurídicas e, dentre elas, as sociedades.

As relações dessas pessoas jurídicas, empresariais e societárias, são regidas no direito brasileiro pelo livro II do código civil – direito de empresa que dispõe, em especial no título II sobre as regras de formação, administração, resolução e dissolução das sociedades, sejam elas empresárias ou simples (não empresárias), sendo de importante destaque para o presente trabalho os artigos 1.030 e 1.085, além dos demais trazidos na seção v, acerca da resolução da sociedade em relação a um sócio.

Dispõe a citada seção V, em especial o artigo 1.030 acerca da dissolução parcial da sociedade, ou seja, quando um dos sócios, por iniciativa própria ou dos demais, é retirado da sociedade, em casos de morte, exercício do direito de retirada ou exclusão pelo cometimento de falta grave no cumprimento de suas obrigações. Além disso, traz ainda o artigo 1.085 a possibilidade de exclusão de sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade.

Contudo, da simples análise dos artigos citados é possível verificar que os conceitos utilizados na legislação são indeterminados e elásticos, não havendo na lei algo que fixe o que deve ser entendido como a falta grave e os atos de inegável gravidade dispostos no texto legal, restando à doutrina, à deliberação social e à jurisprudência delimitar as atitudes capazes de dar aos demais sócios o direito de excluir aquele que esteja agindo de maneira que coloque em risco os interesses da sociedade.

Dispondo tanto o artigo 1.030 quanto o artigo 1.085 do código civil sobre a possibilidade de exclusão de sócio, é importante trazer aqui a principal diferença havida entre as duas hipóteses. Da leitura do artigo 1.030 verifica-se que este dispõe que “pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios”, enquanto o artigo 1.085 dispõe que a maioria dos sócios, mediante alteração do contrato social, poderá excluir o sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa.

Nesse ponto, é importante o destaque realizado pelos professores Ivo Bari e Laura Freitas de que “nem o art. 1.030 e nem o art. 1.085 colocam como requisito para a exclusão do sócio a verificação de dano à sociedade”, ou seja, basta o sócio colocar em risco a continuidade da empresa para que os demais possam buscar a sua exclusão.

Esse requisito mais fluido é necessário justamente para se evitar que apenas após caracterizado o prejuízo possa ser o sócio excluído; busca-se assim justamente prevenir a ocorrência do dano. No entanto, sendo suficiente a mera ameaça de direito, é importante que a doutrina fixe parâmetros, que os sócios procedam com razoabilidade e que a jurisprudência analise os casos concretos de modo a não haver injustiças.

Aqui é fundamental trazer a importante lição De Luis Felipe Spinelli. Em sua tese de doutorado, dispôs que, acaso se permitisse a exclusão sem motivação, se estaria abrindo caminho para o abuso do poder de controle, além de afrontar o direito à conservação da ‘membridade’ (direito de propriedade da participação social) e retiraria a indispensável proteção dos sócios minoritários, trazendo insegurança ao sistema.

Em se tratando de conceitos indeterminados, como já devidamente mencionado, caberá à pesquisa, “à luz da realidade específica da sociedade”, acerca dos atos entendidos como suficientes a ensejar a exclusão do sócio, tais como atos contrários aos seus deveres e às disposições do contrato social, deixar-se guiar pelos interesses próprios em conflito com os da sociedade, além de utilizar-se do nome e dos bens da sociedade em benefício próprio.

Paulo Bardella bem sintetizou ao trazer o acerto do legislador em deixar os conceitos abertos, na medida em que a intenção é justamente prestigiar o princípio da preservação da empresa em detrimento de atitudes isoladas de um sócio que possam prejudicar a continuidade do negócio. De acordo com o especialista: “mais importante do que descrever possíveis ‘faltas graves’ é entender a intenção do legislador, que busca a preservação da empresa em detrimento do sócio, o qual deve ser excluído como medida extrema para garantir a continuidade da sociedade, preservando-se a sua função social.”

Sendo os conceitos de falta grave e atos de inegável gravidade abertos e indeterminados, trouxe o legislador a necessidade de comprovação dessa gravidade, seja para excluir-se judicialmente o sócio com fundamento no artigo 1.030, ou demonstrar-se a regularidade da exclusão extrajudicial realizada com suporte no artigo 1.085 do código civil.

Quanto à primeira hipótese de exclusão judicial, é importante mencionar as disposições trazidas pelo código de processo civil no título iii sobre os procedimentos especiais, notadamente o capítulo v que trata da ação de dissolução parcial da sociedade, e o fato de que já bem delimitou o superior tribunal de justiça ao fixar que a exclusão de membro da sociedade é medida extrema e precisa ser bem demonstrada em juízo (AGINT no ARESP 989.990/RJ).